Defesa com Base em Força Maior e Cláusulas Abusivas
Visão geral da execução e defesa estratégica
VAMOS S/A LOCAÇÃO DE VEÍCULOS, MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS move execução de título extrajudicial contra MAJONAV NAVEGAÇÃO E COMÉRCIO LTDA, TRANS-AIRES TRANSPORTE RODOVIÁRIO LTDA e três fiadores pessoas físicas (Cristina Leitão, Jáderson Aires e João Pessoa), cobrando R$ 3.380.738,74 (valor atualizado em 25/09/2025) relativos a inadimplemento de contratos de locação de veículos comerciais.
As executadas tiveram suas operações logísticas severamente prejudicadas pela seca histórica da Amazônia (2023-2025), que causou a menor vazão do Rio Negro em 121 anos (13,59m em outubro/2023). A crise hídrica foi reconhecida oficialmente por decretos de calamidade pública em todos os 62 municípios do Amazonas, com impacto econômico estimado em R$ 1,4 bilhão no setor empresarial.
Fundamento: Art. 393 do Código Civil e Teoria da Imprevisão
A seca amazônica constituiu evento extraordinário e imprevisível que impossibilitou o cumprimento das obrigações contratuais, caracterizando força maior que exclui a responsabilidade civil das executadas.
Fundamento: Arts. 478-480 do Código Civil
Alteração radical das circunstâncias fáticas posteriores à contratação tornou a prestação excessivamente onerosa para as executadas, enquanto a VAMOS não sofreu impacto na mesma proporção.
Fundamento: Arts. 51-52 do CDC e Arts. 413, 827-829 do CC
Identificadas 7 categorias de cláusulas abusivas nos contratos 41148 e 40675-2-RE, incluindo multas desproporcionais (20% moratória + 50% rescisória), bloqueio remoto sem aviso prévio e renúncia de benefícios de ordem dos fiadores.
Oposição de embargos à execução visando: (1) reconhecimento de força maior com exclusão da multa moratória de 20%; (2) redução da multa rescisória de 50% para 2% com base no CDC; (3) substituição do IGP-M pelo IPCA como indexador; (4) declaração de nulidade de cláusulas abusivas; (5) limitação dos juros moratórios a 1% a.m. conforme Súmula 379/STJ.
Informações oficiais da execução
VAMOS S/A LOCAÇÃO DE VEÍCULOS, MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS
Sociedade anônima de capital aberto, líder no segmento de locação de veículos comerciais no Brasil
MAJONAV NAVEGAÇÃO E COMÉRCIO LTDA
CNPJ: 05.950.968/0001-28
Sociedade empresária limitada, especializada em transporte hidroviário na região amazônica - Belém/PA
TRANS-AIRES TRANSPORTE RODOVIÁRIO LTDA
Sociedade empresária limitada, atuante no transporte rodoviário de cargas - Belém/PA
CRISTINA LEITÃO DOS SANTOS
Pessoa física, fiadora solidária nos contratos 41148 e 40675-2-RE - Belém/PA
JÁDERSON LEITÃO AIRES
Pessoa física, fiador solidário nos contratos 41148 e 40675-2-RE - Belém/PA
JOÃO ROBERTO PESSOA JUNIOR
Pessoa física, fiador solidário nos contratos 41148 e 40675-2-RE - Belém/PA
Histórico contratual e eventos relevantes
Valor Mensal: R$ 268.500,00
Vigência: 48 meses (início: 15/06/2023)
Locatárias: MAJONAV e TRANS-AIRES
Valor Mensal: R$ 98.250,00
Vigência: 48 meses (início: 01/07/2023)
Locatárias: MAJONAV e TRANS-AIRES
Fundamentação legal e estratégia processual
Seca histórica amazônica como evento extraordinário e imprevisível que exclui responsabilidade civil por inadimplemento.
Alteração radical de circunstâncias fáticas tornando prestações excessivamente onerosas para as executadas.
Identificação de 7 categorias de cláusulas que violam princípios de proteção ao consumidor e equilíbrio contratual.
Súmula 379/STJ: Nos contratos bancários não regidos por legislação específica, os juros moratórios poderão ser fixados em até 1% ao mês.
Precedentes dos Tribunais Superiores: Limitam cláusulas penais desproporcionais com base no Art. 413 do CC.
REsp 1.061.530/RS: O CDC aplica-se às relações contratuais de locação de veículos quando caracterizada vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica.
Análise detalhada das cláusulas abusivas identificadas
| # | Abusividade | Contrato 41148 | Contrato 40675-2-RE | Dispositivo Violado | Impacto Econômico |
|---|---|---|---|---|---|
| 1 | Multa Moratória 20% | Cláusula 2.4 | Cláusula 2.4 | Art. 52, §1º CDC | Excesso de R$ 608.532,97 |
| 2 | Multa Rescisória 50% | Cláusula 8.3 | Cláusula 8.3 | Art. 413 CC + CDC | Excesso de R$ 1.521.332,43 |
| 3 | Juros Moratórios 2% a.m. | Cláusula 2.3 | Cláusula 2.3 | Súmula 379 STJ | Excesso de R$ 33.807,39/mês |
| 4 | IGP-M como Indexador | Cláusula 3.1 | Cláusula 3.1 | Art. 51, IV CDC | Variação 45% superior ao IPCA |
| 5 | Bloqueio Remoto sem Aviso | Cláusula 5.8 | Cláusula 5.8 | Arts. 51, IV e XV CDC | Agravamento da crise operacional |
| 6 | Renúncia Benefício de Ordem | Cláusula 9.2 | Cláusula 9.2 | Arts. 827-829 CC | Violação direitos dos fiadores |
| 7 | Responsabilidade por Sinistro Total | Cláusula 6.5 | Cláusula 6.5 | Art. 51, I CDC | Onerosidade excessiva (100% valor novo) |
A correção das cláusulas abusivas identificadas resultaria em redução de aproximadamente R$ 2.163.672,79 do valor executado, representando 63,99% do total cobrado.
Análise jurídica completa de cada abusividade
Ambos os contratos (41148 e 40675-2-RE) estabelecem multa convencional não compensatória de 20% (vinte por cento) sobre o valor total do débito em caso de inadimplemento (Cláusula 2.4).
A aplicação da multa de 20% sobre o débito total de R$ 3.380.738,74 representa R$ 676.147,75. Se aplicado o limite legal de 2%, a multa seria de R$ 67.614,77, resultando em excesso de R$ 608.532,98.
Os contratos estabelecem multa rescisória de 50% sobre o valor total do contrato na hipótese de rescisão antecipada motivada por inadimplemento (Cláusula 8.3).
Multa de 50% sobre contratos de R$ 3.164.250,00 totais = R$ 1.582.125,00. Aplicando-se limite razoável de 2%, seria de R$ 63.285,00, resultando em excesso de R$ 1.518.840,00.
Os contratos preveem juros moratórios de 2% ao mês (24% ao ano) sobre o débito em atraso (Cláusula 2.3), valor significativamente superior ao limite jurisprudencial.
Sobre o débito executado total de R$ 3.380.738,74, juros de 2% a.m. = R$ 67.614,77/mês. Com limite de 1% a.m. = R$ 33.807,39/mês. Excesso mensal: R$ 33.807,38.
Nos embargos à execução, pediremos a limitação dos juros moratórios a 1% ao mês conforme Súmula 379/STJ, evitando a cobrança abusiva de juros superiores ao patamar jurisprudencial consolidado.
Os contratos adotam o IGP-M como índice de correção monetária das parcelas mensais (Cláusula 3.1), índice que apresentou variações muito superiores à inflação oficial (IPCA) no período.
No período 2023-2025, o IGP-M acumulou variação de 34,8%, enquanto o IPCA ficou em 18,6%. Diferença: 16,2 pontos percentuais, gerando ônus adicional de aproximadamente R$ 593.000,00.
A Cláusula 5.8 permite à VAMOS realizar bloqueio remoto dos veículos locados em caso de inadimplemento, sem necessidade de notificação prévia ou ordem judicial.
O bloqueio remoto realizado em janeiro/2025 agravou ainda mais a situação financeira das executadas, impedindo tentativas de recuperação operacional e gerando prejuízos adicionais pela paralisação súbita de veículos em operação.
A Cláusula 9.2 impõe aos fiadores (Cristina Leitão, Jáderson Aires e João Pessoa) a renúncia expressa ao benefício de ordem previsto no Art. 827 do Código Civil.
A cláusula permite que a VAMOS execute diretamente o patrimônio pessoal dos três fiadores sem antes esgotar os bens das empresas locatárias (MAJONAV e TRANS-AIRES), violando garantia legal fundamental da fiança.
A Cláusula 6.5 estabelece que, em caso de sinistro com perda total do veículo, a locatária deverá pagar à VAMOS 100% do valor de mercado de um veículo novo equivalente, independentemente do valor residual ou depreciação.
A cláusula ignora completamente: (a) depreciação natural dos veículos; (b) valor residual já amortizado pelas parcelas pagas; (c) eventual seguro contratado. Representa enriquecimento sem causa da locadora.
Fundamentação detalhada da defesa
A defesa das executadas fundamenta-se primordialmente no reconhecimento da seca amazônica histórica de 2023-2025 como evento de força maior que impossibilitou o cumprimento regular das obrigações contratuais assumidas nos contratos de locação nº 41148 e 40675-2-RE.
O Art. 393 do Código Civil estabelece que "o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado". Para configuração de força maior, a doutrina e jurisprudência exigem três requisitos cumulativos:
O evento deve ser inevitável, impossível de ser evitado pelo devedor mesmo com emprego de diligência razoável.
✓ PRESENTE: Seca de proporções históricas, impossível de ser prevista ou evitada pelas executadas.
O evento deve ser extraordinário, fora do curso normal dos acontecimentos, não podendo ser previsto no momento da contratação.
✓ PRESENTE: Menor vazão em 121 anos caracteriza evento extraordinário e imprevisível.
Deve haver relação direta de causalidade entre o evento e a impossibilidade de cumprimento da obrigação.
✓ PRESENTE: Impossibilidade de navegação fluvial inviabilizou diretamente operações das executadas.
Subsidiariamente à alegação de força maior, a defesa invoca a teoria da imprevisão e a onerosidade excessiva superveniente prevista nos Arts. 478-480 do Código Civil.
"Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação."
A aplicação da teoria da imprevisão exige:
Embora a VAMOS S/A seja sociedade de grande porte, as executadas MAJONAV e TRANS-AIRES enquadram-se como consumidoras na acepção do Art. 2º do CDC, tendo em vista:
O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a aplicabilidade do CDC em contratos de locação de veículos:
"Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de locação de veículos quando presente a vulnerabilidade da parte locatária, ainda que pessoa jurídica, desde que caracterizada a disparidade de poder econômico ou técnico entre os contratantes."
A tese de força maior decorrente de calamidades ambientais tem sido acolhida pelos Tribunais Superiores em situações análogas:
"Caracterizada a ocorrência de evento de força maior (pandemia COVID-19) que impossibilitou o cumprimento das obrigações contratuais, não há falar em mora do devedor, devendo ser afastadas as penalidades contratuais (multas moratória e rescisória) e limitados os juros ao patamar de 1% ao mês."
"A seca histórica no Nordeste que impossibilitou o cumprimento de contratos de fornecimento de água configura caso fortuito externo, excluindo a responsabilidade civil da empresa fornecedora e afastando a incidência de cláusulas penais."
A conjugação dos seguintes elementos fundamenta robustamente a defesa das executadas:
Oposição de embargos à execução com pedidos de: (1) reconhecimento de força maior e exclusão de multa moratória; (2) aplicação do CDC com redução de multas ao limite legal de 2%; (3) substituição de IGP-M por IPCA; (4) limitação de juros moratórios a 1% a.m.; (5) declaração de nulidade de cláusulas abusivas; (6) redução do valor executado de R$ 3.380.738,74 para aproximadamente R$ 1.217.065,95 (valor líquido sem abusividades).
Material probatório disponível para fundamentação da defesa
Todos os documentos originais (contratos, faturas, decretos, relatórios técnicos) estão organizados na pasta docs/ do projeto e disponíveis para consulta e anexação aos embargos à execução.
Especialista em Direito Tributário
Advogado
OAB/PR 57.919
Especialista em Direito Tributário pelo IBET/SP
contato@wilsonalexandre.adv.br
(43) 99621-0602